A proposta de criação e publicação da revista parte da necessidade em se criar memórias para as narrativas onde a arte negra engajada, na prática e corporeidade contemporânea, reivindica presenças na cena da dança, tanto em São Paulo, Brasil, como no mundo.
É cartografar a trajetória de pesquisa onde o artista Djalma Moura vem se debruçando em suas investidas poéticas e políticas a fim de repensar outros mundos e aguçar a necessidade de agir também pelos imaginários em que o corpo negro, periférico, pobre, se mostra capaz de materializar memórias de futuro, trocando com os presentes nesse mundo, pedindo licença aos mais velhos e ancestrais, por fim, deixando registrada suas insistências para os que virão.
Como forma de registrar nossos fazeres, bem como dar a ver e enaltecer os artistas que desenvolvem processos em danças a partir das negritudes e suas manifestações na contemporaneidade, a Revista AJEUM surge em sua primeira edição lançada em 2019 documentando o processo da trilogia criada pelo Núcleo Ajeum. Estratégia essa de criar nossas memórias de futuro.

AJEUM, um caminho “da porteira para dentro/da porteira para fora”:
Yaskara Manzini
“Da porteira para dentro/porteira para fora” era uma expressão usada por Maria Bibiana do Espírito Santo (1890-1967), conhecida como Mãe Senhora, terceira Iyalorixá do Ilé Opó Afonjá, ao delimitar o espaço físico do terreiro que possuía uma porteira em sua entrada. Metaforicamente, tal expressão também delimitava o espaço sagrado do profano na tradição do Orixás, cujo candomblé – religião africano-brasileira, é a faceta mais conhecida “da porteira para fora”. Coube também ao candomblé a preservação e recriação dos valores éticos/sociais/poéticos afro-nagôs, nesse lado do Atlântico.
O sagrado no terreiro é também artístico, engloba narrativas através de mitos, ritmos, coreografias e figurinos, além de poesias por meio de oriquis, orins ou canções. A poética litúrgica nagô está intimamente imbricada com a ancestralidade e memória épica negro africana.
O Ajeum é um momento onde os dois mundos: sagrado e profano se unem, quando iniciados (independente de ordem hierárquica) e comunidade alimentam-se.
Para a tradição dos orixás, comer é um ato sagrado, o alimento tem poder, pode curar, adoecer, transformar humores, atrair, enfeitiçar, rechaçar, acalmar. Cozinhar é um ato de magia, não é à toa que os Orixás também comem. É no alimento que reside um dos maiores mistérios: dar-se em sacro ofício, oferecer sua vida ao sagrado para fortalece-lo, alimenta-lo e, também, a comunidade.
O espetáculo Ajeum, do Núcleo Djalma Moura, compartilha e oferece seu sagrado oficio à comunidade. É nessa dança furiosa que emergem imagens ancestres: árvores, mulheres, búfalos, borboletas, ventanias que impregnam tempo-espaço mítico.
O caminho para alcançar o sagrado, sem cair em estereótipos e exotismos (que muito agradam os que vivem “da porteira para fora”) ou simplesmente reproduzir a dança dos orixás é trilhado por meio de dois princípios: èmí e bara. Émí é uma das qualidades dos ara aiyé, insuflada por Eledunmaré na humanidade. É a respiração, o ar que inalamos e expiramos durante a existência. Bara é o princípio dinâmico existente em cada Ser, ligado ao corpo e seus movimentos involuntários e controlados. É através destes dois fatores que Djalma Moura propõe a corporificação de forças ancestrais construindo ritmos, ocupando os espaços e instaurando Axé de maneira singular, em seu caminhar “da porteira para dentro/da porteira para fora”.
Para quem quiser um exemplar da Revista Ajeum entrem em contato conosco que combinamos a melhor forma de chegar até você.